[Para Além da Superfície] #38: O Tempo e suas Encantarias
ou "A Sincronicidade é a magia da vida" ou "Uma história com muitas histórias"
Lembro da primeira vez que eu vi esse livro em uma livraria. Estava passeando com uma amiga pela Rua Cerqueira Cesar em São Paulo, entramos em uma livraria-café, e logo uma capa azul bebê com um cavalo marinho centralizado me chamou atenção. Mas o que me pegou de verdade foi o título, “Oração para Desaparecer”.
Automaticamente me encantei.
Fiquei ponderando se deveria levá-lo. O vendedor logo me disse que eu amaria o livro - mas talvez ele falasse isso sobre todos os outros também…
Vi o preço e decidi que ainda não era a hora.
Em toda livraria que eu fui depois disso, eu namorava esse livro.
Mas, sem nem saber o porquê, eu nunca o levava.
Itacaré, começo de novembro.
“Ixiii, o Hostel tá lotadooo esse feriado, nem tem cama disponível mais…” - Ouvi o pessoal do staff conversando…
Eu, que ainda não tinha decidido quais seriam meus próximos passos, me desesperei por um momento. Mas logo ouvi alguém comentando sobre um evento que teria logo ali em Ilhéus, a FLI.
“Que isso?” - me intrometi
“A Feira literária de Ilhéus, menina. Vai ser babado!!! Vai ter Mia Couto, Ailton Krenak…”
E foi assim que, do nada, eu tinha um plano.
Bom, até aí, eu só tinha uma opção, na verdade. Uma possibilidade.
Comentei com a Gabi - amiga que fiz em Boipeba e que depois passou alguns dias convivendo comigo em Itacaré - e ela topou de primeira.
Bom, acho que é isso, então…
Essa é a tal da graça de vir sem planos: deixar que alguns acontecimentos pelo caminho façam a sua rota.
Chegamos em Ilhéus. E a cidade era (beem) menos do que eu esperava.
Mas ok, né?
Eu tinha ido pela FLI, esse era o objetivo.
No primeiro dia do evento, uma quarta-feira 13 de novembro, a única coisa que passava na minha cabeça era: “A Adriely de 2017 me acharia O MÁXIMO por ter vindo para Ilhéus só pra uma feira literária!!!” E acho que, naquele momento, só isso já era razão o suficiente para eu continuar ali…
Mal sabia eu tudo o que ainda ouviria neste evento…
Ailton contou uma história do povo Krenak - a história que eu conhecia pela música do Emicida - sobre os gêmeos e o Tamanduá:
Também falou sobre os Encantados. Essas grandes entidades, forças da natureza. Que estão na terra conosco, nos protegendo, nos guiando. Quão significativo foi ouvir esse termo pela primeira vez ali, em Ilhéus?! Que eu logo descobriria ser uma terra Tupinambá…
Uma chavinha virou na minha cabeça.
Desde maio, na Bahia, eu havia me aproximado muito da origem africana do nosso país, me conectado mais com a Umbanda e com o Candomblé, me aprofundado e estudado este aspecto da nossa cultura.
Mas Brasil também é terra indígena! - e desse lado eu ainda não sabia quase nada…
Parece que eu atraio esse tipo de evento.
Vou para uma cidade e, do nada, me aparece uma exposição de arte no meio da rua, uma feira literária, um festival… Eu (quase) nunca planejo encontrá-los, mas sempre os encontro.
E esses eventos sempre acessam um lugar infantil em mim. Aquele lugar de criança, esperançosa, com mil possibilidades pela frente. Acendem o pedaço de mim que ainda acredita na luz, na magia.
Ailton falou muito sobre manter o encantamento. E é isso que a Arte faz comigo: me traz de volta à vida, toda vez.
Um mês antes, eu tinha ido parar da FLIPEBA (Feira Literária de Boipeba) - pois é, eu tô te falando que eu atraio esses rolês… - e saí de lá sem nenhum livro.
“Não posso ir embora de uma SEGUNDA feira literária sem nada na mão, né? Que isso?!!” - Pensei comigo mesma
E lá tava ele, de novo: “Oração para Desaparecer”
Por um momento fiquei em dúvida se escolheria ele ou um segundo livro, chamado Aimó, que tinha descoberto ali na hora.
“Aii, mas faz tanto tempo que esse ta na lista. Vamo logo com ele, vai?!”
E comprei.
Finalmente comprei.
Comprei porque sabia que iria para Serra Grande nos próximos dias, lugar em que eu já estava planejando ficar bem de boa, sozinha, lendo na praia…
E estava lá eu, na faixa de areia enorme da Praia Pé de Serra, quando leio as primeiras páginas e logo percebo que a história falava sobre memória.
Sobre entender quem se é, de onde se veio, da sua ancestralidade, do seu senso de pertencimento.
“Que doideira, o interno e o externo estarem se conectando assim…”
Depois de alguns dias, segui para Aracajú. Onde o livro de capa azul bebê continuava a ser “aquela linda companhia que a Arte nos faz quando nos sentimos só” - como bem pontuou Bruna Vieira em sua palestra na FLI.
Ia rolar um tal de FASC - Festival de Artes de São Cristóvão - nos dias que eu estava na cidade. Procurei no instagram e vi que parecia um festival de música: Baiana System, Revelação, Tasha e Tracie, e mais uma galeera ia cantar lá, nessa cidadezinha há 1 hora de Aracajú.
“Pô, parece massa, vamo vê o que rola até o fim de semana, quem sabe eu não vou?” - mas logo engavetei a ideia, tava com muito mais preguiça do que animação…
Mas a galera de Aracajú insistia. Das donas do Hostel às mulheres que trabalhavam na feirinha de artesanato, TODAS diziam que eu TINHA que ir no FASC, que era incrível, imperdível!
Abri o instagram de novo pra ver o evento.
E aí que eu percebi.
Não eram só os shows. Tinha todaaa uma programação cultural junto também: oficina de Cerâmica, de grafite, exposições. - Pô, cês sabem, aí me pega demais, né?
Sexta-feira parecia o melhor dia. Dava para ir de tarde, fazer a oficina de Grafite e ver Revelação e Timbalada.
Mas… Era aquele tipo de rolê que você não quer ir sozinha, sabe?
Uma hora pra ir, uma hora pra voltar, de madrugada, tentar pedir uber naquele caos, ia ser perrengue (e caro!) na certa…
“Se você quiser ir no sábado pra ver Baiana System, uns conhecidos meus vão também…” - comentou a ÚNICA outra menina que tava hospedada no mesmo Hostel que eu…
“É, vamo ver….” - Respondi, um pouco desapontada.
Pego meu celular e vejo que tinham acabado de anunciar uma nova convidada para uma roda de conversa no sábado.
O convidado oficial, Itamar Vieira Junior, autor de Torto Arado, havia cortado o pé em um acidente doméstico e não poderia comparecer ao evento. Então, de última hora, trocaram a palestrante por, ninguém mais ninguém menos que
Socorro Aicioli
- autora do “Oração para Desaparecer”
Fala sério!?!!?
Não tem como ignorar algumas sincronicidades…
Nesse dia, descobri que Socorro é Jornalista e que muitas das suas histórias surgem a partir de fatos reais.
Inclusive, foi assim que surgiu a a história de “Oração para Desaparecer”. Em 2006, ela tinha descoberto a existência de uma igrejinha, em Almofala, que ficou soterrada de areia por muitos e muitos anos.
Ela soube, desde o primeiro momento, que havia alguma história pra ser contada ali. Mas ainda não sabia qual era.
Até que, por coincidência (ou sincronicidade - chamem como quiserem) encontrou um texto de Carlos Drummond de Andrade: “Eu peço aos sábios, aos poetas, aos pintores: prestem atenção na Igreja de Almofala". E foi esse texto, escrito em mil novecentos e bolinha, que deu à Socorro a sua personagem principal…
O mais engraçado, é que se eu tivesse lido esse livro em março de 2024, quando o vi pela primeira vez, ele não teria batido da mesma forma aqui dentro….
Em março, eu não teria lido “A princesa do ouro estava me esperando na água doce”, puxado uma setinha e escrito “Oxum”.
Não teria me envolvido tanto na história se antes não tivesse ouvido sobre os Encantados (sem ter ouvido O AILTON KRENAK falando sobre eles).
Não teria lido o livro sabendo qual a voz e o jeito de falar da Socorro Aicioli.
Não saberia que a personagem principal foi inspirada em uma pessoa real.
Não teria lido “Todos nós, brasileiros, temos uma parte da alma assassinada” - e pensado no que tinha ouvido na FLI, algo tão óbvio, mas que eu nunca tinha parado para pensar: “O Português é a língua do colonizador. As línguas originalmente brasileiras são outras… São as línguas indígenas!” Nossos ancestrais foram proibidos de falar o próprio idioma para adotar a língua do colonizador. Uma violência tremenda! Imagina o quanto não se perdeu nessa tradução forçada!?!
Não teria me emocionado quando li:
“Ser brasileira é uma verdade que não conheço na mente, mas percebo no coração e me sinto parte”
Não teria sentido orgulho ao ler que
“Entender o próprio país é uma das coisas mais importantes para entender o resto do mundo. E saber de si”
Alguns dias depois eu acabei o livro, em Maceió.
Sem querer, acabei de lê-lo em um lugar que tinha justamente uma estátua de cavalo-marinho.
Li uma história sobre memória e tempo, enquanto atravessava uma história particular sobre memória e tempo com o próprio livro…
O encantamento que eu senti, na primeira vez que eu vi o livro, já me dizia algo.
Mas eu sabia: aquele ainda não era o momento.
É preciso confiar na intuição.
Na magia da Sincronicidade. Afinal,
O tempo também tem as suas encantarias…
“Sou livre nesse mundo e posso abrir qualquer caminho, mas escolho, porque quero, toda vereda que me leve ao estado de amor. O amor, o fogo mais antigo. A única força que dissolve e recria o tempo”
✨Minhas Aleatoriedades da Semana
Preciso dizer que recomendo “Oração para Desaparecer”??????
Se você nunca leu Ailton Krenak, eu recomendo muitíssimo “A vida não é útil”
Porque eu citei a Bruna Vieira, vou recomendar a série “De Volta aos 15” na Netflix, é uma gracinhaaa - eu amei demais
O texto de hoje conversa muito com o vídeo de hoje do @Adriventuress - o Episódio 6 da série “Lugares para Além da Superfície” - na qual eu adaptei vários dos textos que já postei aqui pra uma versão mais audiovisual hehehe :)
Lembrei dessa música aqui:
Os Encantados e Encantarias ainda são temas que eu quero estudar muito mais profundamente, deixo aqui uma boa referência que encontrei
🤝 Troca comigo?
Teve algum livro que também te marcou profundamente? Pela história que você viveu com ele? Quais outras histórias com muitas histórias você também pode contar?
“A Feira literária de Ilhéus, menina. Vai ser babado!!! Vai ter Mia Couto, Ailton Krenak…”
Aposto que é a Clarinha kkkk