[Para Além da Superfície] #37: Resgatar a memória
Eu sempre registrei tudo o que eu vivia.
Porque, no fundo, esse sempre foi meu maior medo: Esquecer.
Quinta-feira, 27 de Março de 2025.
Aniversário de 76 anos do meu avô.
Ele pediu a minha ajuda para escrever um texto. Queria que eu escrevesse com ele - e depois lesse na janta de aniversário - um “resumo da ópera” da vida dele.
Meu avô foi diagnosticado com Parkinson há mais de 20 anos. E por muito tempo a doença ficou estabilizada. Mas o Parkinson faz o seguinte: destrói os caminhos motores do cérebro - faz a pessoa tremer, se movimentar mais devagar, ter problemas de equilíbrio - e depois começa a atacar a parte cognitiva também - e aí começa a confusão mental e, em alguns casos, a demência também.
Ouvir e registrar o meu avô falar sobre as principais datas e acontecimentos da vida dele foi como se ele tivesse dado A MIM a oportunidade de eternizar a vida dele. A oportunidade de escrever algo para ele reler quando já não se lembrar mais direito. A oportunidade de escrever para as nossas futuras gerações, que talvez não o conheçam.
Durante todo esse processo de escuta e escrita, uma pergunta ficou ecoando na minha cabeça:
Do que você se lembra quando começa a esquecer?
1949: ele nasce, em São Paulo.
Com 9 meses perde a mãe para uma pneumonia.
Se muda para Monte Alto e é criado pela avó (que fez com que seus os filhos o tratassem como irmão, para ele não perceber que tinha algo de errado)
1970: Volta para São Paulo e conhece a minha Avó.
1973: Os dois se casam.
1975: Nasce a minha mãe. No mesmo ano, ele viaja para NYC a trabalho.
1982: Nasce o meu tio.
2000: Eu nasço.
(Eu não consigo resumir nem minhas histórias de viagem. Me irrito porque acho que perco detalhes muito importantes. Imagina resumir uma vida…)
Durante a pandemia eu (re)desenvolvi um hábito que eu tinha com 16 anos de idade: Escrever 1 coisa que me fez sorrir no dia, todos os dias.
Não era a tentativa de sentir gratidão - que realmente dava certo - que mais me deixava feliz nesse exercício. O que me deixava maravilhada era quando eu voltava para reler as alegrias de meses atrás e lembrava de uma piada interna extremamente específica que, se eu não tivesse registrado, eu não lembraria de nenhum outro jeito. Ou quando eu lembrava de um detalhe de um dia normal. Ou de algo que alguém me falou que me deu um quentinho no coração. De um momento que eu facilmente esqueceria para sempre.
Esse era o exato sabor de resgatar uma memória.
18 de fevereiro de 2020: “Quando alguém me disse ‘Drika saiu do tumblr hoje’ por causa da roupa que eu tava vestindo”
14 de Junho de 2020: “O Brigadeirão da Vó""
18 de Dezembro de 2020: “Brincar com a Aurorinha (minha cachorra). Ela sempre muito bruta com os bichinhos dela”
Perdi o hábito.
Quantas memórias não se foram pelo caminho?
O cérebro tem a sua função.
Toda noite a gente dorme, as coisas importantes vão para a nossa “Memória RAM” e as outras coisas a gente perde pelo caminho. É uma questão de necessidade, sobrevivência.
Esquecer é essencial para que a gente possa continuar criando outras memórias.
Não existe armazenamento de dados o suficiente no mundo para guardar cada segundo de cada dia que vivemos. Nosso cérebro precisa economizar energia, não pode ficar processando tudo.
Esquecer é vital.
Então por que eu tenho tanto medo da minha própria natureza?
Escrever continua sendo isso: uma tentativa de me segurar ao momento presente. De guardar a sensação que eu tenho agora no meu peito em forma de palavras. Para que, no futuro, eu possa reacessar esse exato sentimento.
Só a palavra faz isso.
As fotos guardam o nosso lado mais ensaiado, posado. Os vídeos mostram um pouco mais do “por trás das cenas”, mas a palavra, a palavra ela é crua. Ela não sabe mentir, fingir ser o que não é. A palavra mostra na mais mínima sutileza ou no maior escancaro - a depender da sua vontade - o que se sente.
Escrever me teletransporta.
Que bom que o meu vô me deu a honra de ser eu quem vai o teletransportar!
Mas, e aí:
O que fica quando você esquece?
Fica a história que você escreveu.
Mas não pra você. Ela fica para os outros.
É o presente que você da para quem esteve, está ou ainda estará por perto de você durante essa caminhada.
Daqui uns anos, meu avô pode não lembrar mais de nada. Mas se ele não tivesse escrito a história dele, do exato jeito como foi, eu não estaria aqui para contar a minha.
Ele esquece, mas eu não posso esquecer por ele.
As histórias da nossa família vão para sempre viver dentro de nós. E a gente precisa parar para ouvir elas, quantas vezes forem necessárias - eu e toda a minha família somos do tipo que conta a MESMA história 75 vezes kkkkkkkk (mas toda vez chega um detalhe diferente no meio do caminho).
É o sentimento de ter alguém que te escuta de verdade que faz valer a pena.
- E foi assim que eu me senti quando meu avô pediu a MINHA ajuda para escrever.
Ele pode ter chamado pelo motivo que for. Mas, para mim, foi um reconhecimento de que sim, eu escrevo. De que eu sou boa nisso, de que ele me enxerga nesse meu espaço.
- E pra vocês: chega de ser a pessoa do “Debí Tirar Más Fotos”. Ouça AGORA a sua família, tire fotos, registre momentos. Guarde o que você não quer esquecer…
✨Minhas Aleatoriedades da Semana
Esse papo me lembrou um pouco de “Encanto” da Disney - talvez eles realmente já tenham traduzido todas as emoções humanas em filmes.
Eu tenho tantos sentimentos tão profundos sobre esse tema que já adianto pra vocês que eventualmente ele vai voltar kkkkkkkk Mas fica aqui um dos meus vídeos que eu mais amo:
Um dos melhores vídeos que vi sobre o DTMF:
A Laís escreveu sobre a nossa viagem pra Paraty <3 E foi lindo saber como isso ficou guardado na memória dela :)
🤝 Troca comigo?
Como você está cuidando da sua memória (e da memória da sua família)? O que mais podemos fazer para que as histórias não se percam? Ou elas estão realmente fadadas a serem perdidas? O que vocês pensam sobre isso?
Esse foi DE LONGE um dos textos mais lindos e sensíveis que eu já li. E como sempre, bem no momentinho que eu precisava ler. Fico sempre muito grata em testemunhar as palavras das suas histórias <3