[Para além da Superfície] #34: O peso do sonho
e essa mania de querer realizar todos eles...
“Mãe, você acha que eu fui uma criança sonhadora?”
“Sim, você sempre foi cheia de planos!!”
Ouvi muitas vezes enquanto criança que “pobre não tem sonho, tem objetivo” Era meio em tom de piada, mas eu nunca fiquei confortável ouvindo essa frase. Nunca concordei com ela.
Bom, pelo menos, não conscientemente…
Mas foi cedo que meus sonhos viraram grandes objetivos. O primeiro - e maior - deles: estudar fora do Brasil.
Tinha acabado de sair de um colégio de bairro e ido para um dos maiores colégios de São Paulo, com uma bolsa de estudos de 40% que possibilitou que eu estivesse ali.
Ninguém sugeriu que eu fosse para esse colégio. Eu simplesmente coloquei na minha cabeça que eu iria estudar lá, com 13 anos, sem nenhum motivo aparente. Coloquei na minha cabeça, estudei sozinha, fiz o TREINEIRO da prova de bolsa um ano antes do que seria a minha prova oficial. E no ano seguinte, passei.
Ao entrar nesse colégio, percebi que muita gente ia fazer faculdade fora do Brasil. A minha primeira reação foi mais parecida um “É, não tem como não… Não tenho dinheiro pra isso”. Mas logo descobri que existiam bolsas de estudo por necessidade e por mérito nas instituições americanas.
Dava pra tentar.
E logo, virou um grande objetivo: precisava manter boas notas na escola - que tinha provas todos os dias rs - fazer extracurriculares, estudar para o TOEFL, pegar o jeito de fazer a prova de vestibular deles, escrever váaarios textos sobre mim. Tudo muito bem calculado.
E…
Não deu certo.
Ou melhor, deu. Mas não do jeito que eu esperava.
Apliquei para 13 faculdades. Passei em 3. Só uma delas com bolsa de estudos, mas de apenas 25%.
Estudar fora ainda me custaria 45 mil dólares por ano.
Impossível.
Eu já tinha passado em faculdades públicas aqui no Brasil. Não pagaria nada pela faculdade. A decisão era óbvia - na verdade, não tinha nem escolha.
Mas o sonho-objetivo não morreria tão fácil assim. A faculdade que eu escolhi foi justamente a que tinha mais parcerias internacionais, para que eu pudesse, ao menos, fazer um intercâmbio de 1 semestre.
Esse processo, bem mais fácil.
Minhas notas já bastavam, era só refazer o TOEFL e aplicar. O grande plano de ação, dessa vez, era juntar dinheiro o suficiente para me bancar por lá.
Entrei num estágio logo no primeiro semestre, empresa onde fiquei por 3 anos e meio até meu intercâmbio. Durante todo esse tempo, eu guardava metade do meu salário (coisa que, claro, só era possível porque o básico era garantido pelos meus pais)
Fui para fora.
Realizei o sonho.
E depois?
O Depois é uma grande sensação de '“ta, mas e agora?”
Era relativamente fácil transformar o sonho em meta quando o caminho era bem traçado, certeiro. Até ali era como se eu tivesse um guia de instruções, um passo a passo bem delimitado de coisas que eu deveria fazer para atingir aquele objetivo.
Mas depois de sair da faculdade, não tem mais mapa.
Depois do intercâmbio, fiquei com uma sensação de “quero mais” - Depois de ver tantos modos diferentes de vida, é difícil voltar para o mesmo lugar que você saiu.
O sonho agora se tornou morar em vários lugares pelo mundo. Traduzi para “virar nômade digital”.
E, de novo, o sonho vira meta.
Talvez você não esteja vendo problema nisso.
Parece algo louvável, né? Dizer que todo sonho vira meta. Uma coisa bem “realizadora”, “determinada”, e todos aqueles outros adjetivos que nos fazem parecer merecedoras.
E realmente, é uma delícia sentir que você ta fazendo algo por você mesma, algo em prol do seu grande objetivo. É gostoso planejar e conseguir realizar.
Mas…
Se todo sonho vira meta, como você se permite sonhar de verdade?
Sonhar com aquelas coisas que podem nunca acontecer…
(E que tudo bem se não acontecerem, porque é só um sonho)
Transformar todo sonho em meta te tira a MAGIA de sonhar.
Traz pro sonho um peso de responsabilidade muito grande.
Não só de responsabilidade, como de auto cobrança, culpa, frustração.
E logo, o que era para ser um processo imaginativo, gostoso, leve. Se torna pesado, penoso.
Um dos exercícios do livro “O caminho do artista” - que, para ser honesta, eu tô fazendo com bem menos disciplina do que eu gostaria - diz para você citar 5 vidas que você gostaria de ter, caso não tivesse a que tem hoje.
E eu JURO, que foi muito difícil pensar em coisas que eu SEI que NÃO TEM COMO eu realizar.
Foi quando me caiu a ficha que
Eu só quero sonhar com o que pode ser realizado. Parece perda de tempo fazer o contrário.
Mas eu tentei.
Fechei os olhos. Pensei, “O que me animaria muito saber fazer? Em QUALQUER outra realidade, o que seria legal?”
Alguns eram sonhos de infância: ser atriz, por exemplo.
“Esse ainda da para correr atrás!! Dificilmente eu vou ser uma atriz famosa, e tudo bem. Mas da para fazer um curso de teatro para sentir um pouco como seria” - foi a primeira coisa que veio na minha mente quando eu escrevi “Atriz” no papel - E olha lá eu, de novo, transformando o sonho em meta.
Uma resposta me deixou surpresa: investigadora de polícia - daquelas bem CSI mesmo.
Ok. Perfeito. Era isso que eu queria.
Sonhar com o irreal.
Eu não quero ser a pessoa que só consegue imaginar o que pode realizar.
Eu quero imaginar por imaginar, só isso.
Sonhar não precisa ser útil.
Não necessariamente.
Sustentar a imaginação, sem o peso de transformá-la em planos.
Cultivar o sonho.
Do bloco de notas:
Eu gosto quando eu realizo sonhos que eu nem sonhei Sonhos que eu nem ousei sonhar Acho que essa talvez seja a sensação que eu mais goste no mundo A de “Meu Deus, nem sequer IMAGINEI que isso daqui pudesse acontecer” Porque quando eu imagino, quando eu sonho Eu automaticamente coloco um peso imensurável em cima disso Se é sonho, ele precisa ser executado E isso é uma prisão É preciso se deixar sonhar sem prazos de conclusão Se deixar sonhar sem saber se vai acontecer ou não Às vezes, até deixando que aconteça naturalmente - imagina? Que loucura!? A vida não é uma empresa. Nem tudo precisa ser uma meta. Planos de ação e planejamentos Carregar o peso da responsabilidade de fazer e da culpa se não o fizer Alguns sonhos podem sim demandar tudo isso Mas é preciso deixar espaço para que o acaso, sozinho, realize alguns deles também...
Contraponto:
🥰 O sonho guardado:
✨Minhas Aleatoriedades da Semana
Semana do Cinema vai até amanhã (dia 12/02), com ingressos de 10 reais!!!! Vai lá dar um solo date, ver um filminho…
3.
Fui fazer yoga no parque de graça pelo aplicativo Mude - Tem várias modalidades e em várias cidades. Às vezes você consegue achar alguma coisinha legal para mexer o corpo
🤝 Troca comigo?
Você já teve algum sonho que sente que se transformou em peso? Ou algum sonho que você ama manter só como sonho, sem ter que planejá-lo?
Quando comecei a ler o texto não entendi o problema de sonhar com o que se pode alcançar, de tanto que minha mente também está programada para sonhar "baixo". Mas ai você veio com essa pedrada: "Se todo sonho vira meta, como você se permite sonhar de verdade?" Porque eu não me permito, e acho que é meio que uma síndrome da falta de sonhos profundos da sociedade mesmo. Deixamos de sonhar enquanto dormimos, deixamos de sonhar enquanto acordados.
Sobre sonho de gaveta, como eu chamo, até escrevi sobre: o meu é cerâmica, que ainda não é realizado (só testado) porque vai ser quase como uma celebração em aterrar pós-longa-vida-viajante. Vai chegar a hora, mas não é agora...
Esse texto me atravessou muito Dri. Estive pensando nessas últimas semanas no quanto por muitos anos, sonhei em ser a enfermeira de urgência que fui e o quão desafiador foi perceber que já sonhava tantas outras coisas que não cabia mais nessa pele. Obrigada por esse texto!