[Para além da Superfície] #18: Uma única pergunta
às vezes isso é tudo o que você precisa fazer...
Domingo, 19 de maio, Salvador.
Apesar do cansaço acumulado do meu primeiro fim de semana na Bahia, era um dia que eu precisava fazer as coisas acontecerem. Fazia um sol imenso do lado de fora, mas eu não ia me deixar sair até acabar de editar o vídeo que eu tinha me prometido postar no dia.
Acabei.
E logo que pensei em colocar o biquíni para dar um mergulho no mar, recebi uma mensagem: “O Will ta indo aí no Hostel montar uma exposição de bonecas. Você pode ficar e tirar umas fotos da montagem?”
Eu, que tava ali trocando minhas habilidades com foto/vídeo por hospedagem, não podia falar não. Era parte do meu voluntariado.
Fiquei para tirar as fotos.
Mas fiquei naquele peso, sabe?
Aquela coisa de obrigação.
Sentei num cantinho, lendo um livro, enquanto o Will ia tirando as bonecas da caixa de papelão e desenrolando elas do jornal.
Ele precisava de algo para pendurar elas no teto. E lá fui eu… Atrás de palito de dente, clips, ou o que quer que fosse para ajudá-lo.
Achei, dei alguns pra ele e voltei a ficar quieta no meu canto.
Ele continuou ali, calmamente tirando as bonecas do jornal, subindo num banquinho para pendurá-las, achando a melhor posição para cada uma delas.
E do mais absoluto Nada, me veio uma onda de curiosidade:
“Como você faz essas bonecas? Qual material você usa?”
Para minha surpresa, ele fazia o modelo das bonecas com CAIXAS DE OVO (!!!!!) e arames.
Mas ele não parou de contar por aí…
“Se você perceber, elas tem alguns códigos… Todas estão de braços abertos, abertas para a vida, disponíveis. Todas tem algum tipo de dissidência, alguma coisa que a sociedade julga “ruim” - algumas não tem a perna, outras são gordas, outras não tem olho - mas todas elas continuam alegres e abertas para a vida.”
O que mais me surpreendeu é que todas as bonecas foram baseadas em pessoas reais. Pessoas que o Will conheceu ao longo da sua vida.
Ele era assistente Social na Colômbia, e via e ouvia de perto as histórias de mulheres que eram direta ou indiretamente afetadas pelo tráfico de drogas na região.
Will sempre foi artista, mesmo antes de fazer arte. Sempre teve essa ligação com a criatividade.
Teve uma loja de camisetas com a irmã, a pessoa que, como me contou, mais incentivou ele ao longo dessa jornada. Fizeram restauração de móveis, pintura e o que mais fosse. Até que, em um dia, em seu trabalho como assistente, ele começou a fazer esse trabalho com as bonecas.
“Fiquei muito tempo tentando encontrar qual era meu traço, meu jeito de fazer arte, mas minha irmã me falou que não existe isso… Você pode ser transitório, experimentar de várias formas, vários meios.”
Enquanto ele montava, eu tirava fotos, filmava, perguntava.
Escutava atentamente todas as respostas.
“E você? Já deu de mim! me fala de você…” - ele provocou.
E eu, que nunca sei por onde começar, que nunca sei o que é relevante ou não, contei do meu conteúdo no Instagram, da minha escrita. Afinal, são as minhas formas de arte…
Contei que eu sempre escrevi, desde criança.
Contei também que eu sempre quis ser mais visual… Saber desenhar, pintar. E como eu carregava isso enquanto uma frustração dentro de mim, como uma insuficiência enquanto artista.
“Você já ouviu falar de uma Orixá que é uma mulher búfalo?” - ele me perguntou.
Respondi que não.
“Um dia eu tava andando na praia, e esse menino perguntou se podia ler um conto que ele tinha escrito sobre essa orixá. Uma mulher búfalo!! Isso me deixou fascinado! Como assim uma MULHER BÚFALO?!? Na minha cabeça já veio imediatamente a posição que ela tava. Ali de frente, com o búfalo dentro dela…
A escrita desse menino me deu uma inspiração tremenda, sabe? Eu só consegui imaginar como a mulher búfalo era, porque ELE escreveu.
Para mim a escrita é um dos principais ingredientes para outros artistas. Ela pode ser inspiração para criar desenhos, esculturas, até mesmo peças de roupas… O Met Gala, conhece? O tema desse ano foi inspirado num livro, por exemplo…”
Peguei essa fala como um sinal. Um presente para mim.
Ao invés de me sentir abençoada por ter a habilidade com as palavras, eu sempre me senti desmerecida por não ter com as imagens… Engraçado, né? Como é fácil desmerecer as nossas próprias virtudes.
Achei linda a ideia de que, através das minhas palavras, eu poderia ser fonte de inspiração para outras pessoas. Me encantei com essa possibilidade.
“A palavra como ingrediente para outros meios de arte.”
A minha sensação, nesse dia, era de que se eu fosse embora de Salvador ali, apenas 5 dias depois de chegar, minha viagem já teria valido a pena…
Foi só fazer uma perguntinha para o Will que um mundo de possibilidades se abriu, que uma conexão se formou.
Bem ali, na sala da Casamarelo.
Ao ouvir a história do Will, a história de um artista, eu encontrei um pouco de mim também.
No fim, quem nasce para ser artista, vai acabar se tornando artista de alguma forma, de algum jeito…
Em pouco tempo eu percebi o porquê eu tinha ido parar justo ali…
Bem ali, na sala da Casamarelo.
Tudo por causa de uma única pergunta.
✨Minhas Aleatoriedades da Semana
Para quem também teve uma onda de curiosidade. Aqui o perfil do Will:
As fotos e vídeos viraram post.
Gravado por mim, editado pela Letícia, no feed da Casamarelo - administrado pela Rafu.
Como eu comentei, vim para Salvador para Voluntariar. Eu arranjo esses rolês através da Worldpackers, uma plataforma que te conecta com anfitriões ao redor do mundo e que você troca alguma habilidade sua por hospedagem (e às vezes até alimentação) gratuita - Nos 3 voluntários que eu já fiz eu atuei ajudando na área de Mídias. Se você quiser viajar assim também, o meu cupom ADRIVENTURES da 20% de desconto na plataforma. https://www.worldpackers.com/pt-BR/promo/ADRIVENTURES?utm_campaign=ADRIVENTURES&utm_medium=referral&utm_source=affiliate
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Você teve alguma interação que caiu como sinal de que você estava no lugar certo na hora certa? Me conta aqui <3
Fiquei encantado com a empatia do Wil.
Com uma escuta atenta, de maneira tão simples, te passou um aprendizado tão profundo!
Também sou do time dos que curtem escrever, mas queriam saber desenhar, pintar, etc.
Talvez, afinal, sejamos todos do time dos que imaginam :)