[Para além da Superfície] #15: Quando você se percebeu brasileira?
Ontem fui ao teatro assistir “Tarsila, a brasileira”
Ao chegar, percebi alguns ônibus de excursão parados. No intervalo, percebi que tinham muitos adolescentes na plateia. Liguei os pontos. Era uma excursão escolar para o teatro, para assistir a história de Tarsila (!!!!!!)
Na cultura que temos, acho que todos nós já tivemos a nossa fase vira-lata.
Somos criados para acreditar que o que é bom é o que vem de fora. “Cinema brasileiro? Horrível!” “Alpha fm? Pra ouvir MPB? Pai, pode trocar de canal!” “Teatro? Só ouvi falar na Broadway, nem tem isso aqui no Brasil”
Museu, arte, exposições - no máximo quando se está viajando.
Como diriam os modernistas, ainda é preciso “apresentar o Brasil para os brasileiros”
A primeira vez que me percebi brasileira foi quando saí do Brasil.
A gente se percebe apenas em comparação.
O primeiro momento que vem em minha mente é em 2013, Miami Beach. Fui com a minha família conhecer a praia. Chegando lá, haviam algumas pessoas sentadas na areia, de roupa de frio, lendo livros.(?????) Somos uma família de 5: meus pais, eu e 2 irmãos. Chegamos na praia esperando Brasil, mas chegando lá, logo fomos interrompidos por um “shhh” pedindo silêncio de um dos americanos.
Lembro que pensei: “Que isso? Praia sem barulho? Sem toda a festa que é ir pra praia? Que coisa horrorosa!” Até ali, nunca tinha percebido que esse jeito de olhar para esse ambiente era *nosso*, que fazia parte da nossa cultura ser assim.
Com 17 anos, fui para o Canadá sozinha, para ficar numa casa de família com outros intercambistas. Chegando lá, cumprimentei TODOS com beijinho na bochecha. “Você é brasileira, né?” - Logo perguntaram - “percebi pelo jeito de dar oi”.
Com 22, passei 8 meses na Holanda. A diferença era gritante. Aqui somos abertos, carinhosos, quentes. Lá, tudo ao contrário.
Quando estamos imersos na nossa cultura, a gente não consegue enxergar que tudo o que sabemos, fazemos e somos não é óbvio.
É óbvio para nós, que fomos criados assim.
E é se afastando que a gente consegue compreender a dimensão da beleza que temos aqui.
A roupa colorida, o falar alto, o abraço apertado, a resenha com desconhecidos, o acolhimento com quem está aprendendo a nossa língua, a beleza das palavras, o molho do brasileiro, o borogodó, o chamego, a saudade.
Escreveria mil textos sobre o quanto eu amo ser brasileira.
Eu não queria ter nascido em nenhum outro lugar desse mundo, ser brasileira é o que me faz ser eu.
Depois que me percebi brasileira, bato no peito para compartilhar a minha cultura com quem não a conhece. Comecei a admirar cada vez mais o que fazemos aqui, a nossa história, o nosso jeito de ser.
Hoje, quando um gringo me pergunta que tipo de música eu gosto, respondo sem mentir: “Você não vai conhecer nada. 90% do que escuto é brasileiro: Samba, Funk, MPB”.
Me emocionei de verdade assistindo Tarsila ontem, fui relembrada de todo esse sentimento que tenho guardado aqui. A nossa cultura é tão rica, pena de quem não consegue reconhecê-la como tal.
Hoje, fiquei feliz por ter visto uma geração nova ali no teatro.
Talvez eles não precisem passar pela fase de rejeitar o que é nosso.
Espero que eles tenham captado a mensagem de Tarsila: de não ser vira-lata, mas antropófago. Que eles usem sim tudo o que vem de fora, mas que devorem, incorporem, assimilem, para que assim, a nossa cultura se enriqueça ao invés de se enfraquecer.
Espero que eles tenham a sorte de se perceberem brasileiros mais cedo. Quanto antes, melhor.
Quadro “Antropofagia” por Tarsila do Amaral (1929)
✨Minhas Aleatoriedades da Semana
Sinto que nenhum texto que eu fizer nesse momento vai conseguir colocar para fora tudo o que eu gostaria de falar sobre o assunto. Mas muito provavelmente eu volte nele em algum momento. Por ora, fica a recomendação da peça FANTÁSTICA - e que fica em cartaz só até 5 de maio, então corre!!! (e juro, eu paguei 30 reais no meu ingresso, não tem desculpa dessa vez ahhaa)
Se você quer ler ou saber mais sobre o movimento antropofágico, deixo algumas referências que achei interessantíssimas:
https://revistacienciaecultura.org.br/?artigos=antropofagia-ontem-e-hoje
🤝 Troca comigo?
Quando você se viu brasileiro pela primeira vez? Como foi essa sensação para você?